segunda-feira, 12 de julho de 2010

O REGRESSO DO VIAJANTE



O REGRESSO DO VIAJANTE

Em plena rua pergunto-me, onde
está a cidade? Desapareceu?
Talvez seja esta, tem casas,
tem paredes, mas não a encontro.
Não se trata de Pedro nem de João,
nem daquela mulher, nem daquela árvore,
a antiga cidade está enterrada,
enfiou-se num espaço subterrâneo 
e vive outro tempo, outra vida,
ocupando a margem das ruas,
e com um número idêntico de casas.

  
(BR 116 em 1958 e atualmente)

Compreendo então que o tempo existe,
que existe, mas não entendo
como aquela cidade que teve sangue,
que teve tanto céu para todos,
e de cujo sorriso ao meio-dia
um cesto de ameixas se entornava,
daquelas casas de odor a bosque 
recém-cortado com serra de madrugada,
que cantava junto à água
das serrações das montanhas, 
tudo o que era seu era meu,
da cidade e da transparência
se fechou no amor como um segredo
e caiu no esquecimento.


(AV.Inconfidência com Av. Santos Ferreira, antes e atualmente)

Agora onde estou outras vidas há,
outra razão de ser, outra austeridade:
tudo está certo, mas porque não existe?
Por que razão aquele aroma dorme?
Porque se calam aqueles sinos
e a torre de madeira se despediu?


(Correios rua Frei Orlando esq. XV de Janeiro, antes e atualmente)

Casa por casa desmoronou-se em mim
a cidade, com adegas destruídas 
pela vagarosa umidade, pelo passado,
derramou-se em mim o azul da farmácia, 
o trigo acumulado, a ferradura
dependurada na correaria,
em mim caíram seres que procuravam
como num poço a água negra.


(Vila Fernandes, Av Venâncio Aires, antes e atualmente)

Então que faço aqui, que vim fazer?
Aquela que eu amei entre as ameixas
no violento estio, clara
como um machado brilhando com a lua,
a dos olhos que mordiam
como ácido o metal do abandono,
partiu, sem que partisse de verdade,
sem mudar de casa nem de fronteira,
partiu de si mesma, caiu para trás
no tempo, mas não nos meus braços
quando abria, talvez, aqueles
que apertaram o meu corpo, e me chamava
ao longo, talvez, de tantos anos,
enquanto eu noutra esquina do planeta
me afundava na minha longínqua  idade.


(Rodoviária de Canoas 1967 e atualmente)

Para voltar à cidade perdida
socorrer-me-ei para nela entrar.
Devo encontrar em mim os ausentes,
aquele odor da estância,
o trigo que ondulava na encosta
e que continua a crescer em mim,
em mim devo viajar à procura
daquela que a chuva levou,
não há outro remédio,
doutra maneira nada viverá,
eu próprio devo cuidar daquelas ruas
e dalguma forma decidir 
onde plantar as árvores novamente.


(Rua Dr. Barcelos esq Av. Coronel Vicente, antes e atualmente)

POESIA O REGRESSO DO VIAJANTE DE PABLO NERUDA
FEITA PARA VALPARAISO, CHILE
MAS PARECE QUE FOI FEITA PARA NOSSA CIDADE
PELA SEMELHANÇA GEOGRÁFICA E CULTURAL
DOS POVOS AMERICANOS.

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