sábado, 21 de agosto de 2010

QUEM FOI BASTIÃO?



Evocar a figura a um tempo humilde e grandiosa de Sebastião Coelho é sentir, em toda a plenitude, a capacidade humana para a bondade. Nasceu ele em Torres, de uma escrava que se chamava Serafina e seu pai ignorado. Assim, iniciou a vida ungido à condição miserável de escória social.
Cresceu, fez-se homem livre, e deambulou por ai, analfabeto e trabalhando como peão de tambos e lavoura. Sua imensa bondade jamais lhe permitiu cobrar salários, mas trabalhava apenas pela comida, algum trapo para vestir e uma beira de galpão para o repouso.
Profundamente religioso, afirmam que ele guardava, alem de outros votos, o da castidade. Viveu a maior parte de sua vida em casas de determinadas famílias, em Porto Alegre e Esteio, passando os últimos decênios de sua vida num rancho aos fundos da Igreja São Luis em Canoas. Os primeiros anos de sua vida foram marcados pelo horror de ter de assistir aos sofrimentos da mãe infeliz às mãos de um senhor cruel e desalmado. Este, por sinal, nem pressa de registrá-lo no rol dos seres humanos. Pois, que era ele? Mais importante era o cavalo de montaria ou a novilha de boa qualidade que acabara de adquirir...
Porto Alegre e Esteio, passando os últimos decênios num rancho aos fundos da igreja São Luis, em Canoas.
Quanto a levá-lo a Pia Batismal? Ora, ora... Onde se viu um produto de senzala posto em nível de competição com os filhos do senhor na concorrência a graça divina?
Sebastião só começou a existir, como ser humano e cristão, pelos oito anos de idade, quando a mãe fugiu do mau senhor e fê-lo batizar. Mas viveria numa longa existência, o suficiente para ver o banimento de muitas injustiças sociais, e ser alçado ao nível dos antigos escravizadores. E, mais, viveu o bastante para poder revelar ao mundo toda a magnificência da sua alma e ser amado ainda em vida como um santo.
Foi batizado a 23 de janeiro de 1858 e faleceu a 04 de maio de 1958, com cerca de 108 anos, portanto. Segundo definição científica de Aléxis Carrel, Sebastião Coelho foi um místico, na mais exata acepção do termo. As maldades do mundo, longe de arrastá-lo à corrupção, fizeram com que ele se recolhesse para dentro de si mesmo, transformando a sua alma numa flor delicada. Vivia em permanente estado de oração, rezando pela humanidade toda e especialmente pelos enfermos. Como todo o místico, sua presença irradiava o amor e ternura, inspirando profundo respeito. Ninguém podia ficar insensível, mesmo o transeunte da rua, à atmosfera amorável que dele evolava como o perfume da rosa. Foi, realmente, um fenômeno social e humano.
Um ano e meses antes da sua morte, ou seja, a 11 de agosto de 1956, o Jornalista Antonio Canabarro Tróis Filho publicou no semanário “O Momento” uma crônica que vale como um testemunho vivo da realidade. Dela extraímos estas linhas: “Aquela figura negra e hesitante atravessou a rua. Os automóveis diminuíram a marcha, buzinas abertas. Pareceu-nos ver as máquinas respeitando o homem, o que afinal de contas não é ato muito comum, neste mundo mecânico e sem amor.
__ Como vai o senhor, “seu Bastião”?
__ Vai se indo com a graça de Deus, meu filho.
A figura negra sumiu na esquina, deixando uma réstia de luz no coração da gente.  Ficamos a espera de sua volta. E, ao nosso aceno, parou com as mãos entrelaçadas, como numa prece humilde.
__ “Seu Bastião”, quantos anos tem o senhor?
__ Ah meu filho, já perdi a conta.
Quem não conhece? “Seu Bastião” mora ali nos fundos da igreja São Luis e, de tão religioso, se pudesse moraria dentro dela. Poucas vezes sai, mas quando o faz, concretiza o milagre simples, sem efeitos ostensivos, de apaziguar a alma da gente.’
Hoje Sebastião Coelho é invocado em orações no seu túmulo, no cemitério de Canoas, vive cercado de devotos e coberto de flores.
(João Palma da Silva, Correio do Povo, 08/06/66). 



2º Noite das Etnias e seus folclores


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