sexta-feira, 6 de abril de 2012

SEXTA FEIRA ROXA DA PAIXÃO - A FÉ DO ÍNDIO MISSIONEIRO


EU, SANTO DE MADEIRA, PECADOR.

Dispo-me da camisa,
Da calça,
Do calçado,
Do chapéu sobre o cabelo,
Do cabelo, da sobrancelha,
Do bigode triste,
Das rugas e vincos sobre a boca amarga,
Dos duros pecados da alma,
Dos pecados frutificantes do corpo
 
Encarno-me na imagem castigada
Tomo seu corpo de século e madeira.
Diluo-me em lenho e cerne.
Enrijeço-me em braços de doação e mãos de oferta.
Planto-me em duras pernas sugeridas
Enfibram-se férreos meus músculos dúcteis,
Meus dedos de baile e flor,
Meus viajeiros pés.
Meus olhos enquietos aquietam-se em seus olhos
Parados de verde-tempo pintalgo a ouro.
Meu coração se faz semente na jaula de corpo morto
- vegetal desseivado pelo corte.
Renasço-me em vertical ascensão de fuste ao vento,
Alto de vigoroso tronco,
Garços galhos ágeis,
Úmida folhagem de pássaros,
Canora pluma de ninhos
Bandeira de temporais,
Assomo e sombra.

- Cedro secular no campo escampo.
O machado me abate – tombo e traço.
A lâmina me corta – forma e fôrma.
A mão do artista me acarinha em cortes,
Adegalça-me o torso.
De repente a curva na testa, o nariz, olhos e boca.
O duro queixo de sacrificado.
O gesto de perdão na corola da mão.
Vestem-me a rosa, o carmim, o ouro, o azul.
A água santa me banha, o incenso me seca.
Uma coroa,
Uma cruz,
Um nome qual.
Da oficina ao andor, do andor ao altar,
Dobra-se por mim o joelho do índio.
Por mim
Madeira humanizada em corte e cor.
Como filho de Deus na escarpa mais alta do monte
Vejo a nascente Redução à sombra de meus pés

A reta geometria do povoado
E pedra a pedra o tempo áspero plantado.
Negra a roupeta do padre.
O torso do guarani, músculo e cobre
Vestidos de suor.

Vigilância no azul
O mangrulho espantando a distância

No dobre do sino o galope dos potros mal domados,
Disparando,
O vento mordendo a cara,
Enflechando o cabelo,
Rindo no lábio do índio,
Cantando flautas nas lanças de taquara.
O berro do touro secou no couro ao sol.
Desenha sóis no circulo do laço,
Girândola no zum das boleadoras.
O loiro pendão do milho,
A mão na mão do pilão
Batendo,
Tambor tão bom,
Socando, tocando.
E do grão a farinha
E da farinha ao pão.

Caminham capuchos de algodão nas vestes claras.
Ajoelham-se em saias genuflexas,
Na sombra insensata e úmida do templo.
Rótulas na dura pedra; “Sursum Corda”...

Dói-me nos olhos as lagrimas do índio
Que me louva em latim e uiva como um cão
- Na Sexta-Feira Roxa da paixão.
Dói-me seu pecado contra o sexto mandamento,
Menos luxúria que o bom instinto são
- Na Sexta-Feira Roxa da Paixão.

Dói-me sua carne flagelada a japecanga
-Na Sexta-Feira Roxa da Paixão.

Dói-me a rubra chama do archote em sua mão
- Na Sexta-Feira Roxa da Paixão.

Dói-me velo dobrado a meus pés, irracional irmão
-Na Sexta-Feira Roxa da Paixão.

E morro no altar-mor a seu coro de angústias,
Quando os versos do “Cristo Nhandejara”,
Cantam do chão para o céu
E do céu para o chão...
“Conte, êbate, ynenbohi acuera.
Ah. Cristo Nhandejara!”

Sem que eu lhe mereça esta entrega de amor,
Eu,
Santo de madeira,
Pecador.

APPARÍCIO SILVA RILLO




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